Imagine uma escola sem quadro-negro, em que os alunos não copiam as matérias à mão, não fazem provas impressas, nem precisam carregar livros e cadernos pesados. Eles recebem todo o conteúdo das aulas pela Internet, têm acesso a mapas interativos de diferentes épocas e respondem a questionários virtuais com pontuação instantânea. Este cenário parece um filme futurista, mas já é realidade em algumas escolas norte-americanas, onde todo o material necessário para a aula está no tablet, um intermediário entre o laptop e o smartphone – celular que se conecta à Internet. Nos últimos meses, o aparelho com cerca de meio quilo começou a ganhar espaço em países como Índia, Tailândia, Coreia do Sul e... Brasil. Por aqui, a maior novidade é a decisão do Ministério da Educação (MEC) de investir cerca de R$ 150 milhões na compra de 600.000 tablets, que serão entregues no segundo semestre a professores do ensino médio de escolas públicas. Os alunos de Pernambuco já estão recebendo 156.000 tablets, e os de São Paulo, a partir de 2015, devem ganhar tablets, laptops ou outro aparelho que surja até lá.
No Rio Grande do Sul, os investimentos são mais cautelosos. A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) acaba de criar um projeto piloto na Escola Estadual de Ensino Fundamental Stella Maris, em Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre. “Estamos avaliando se é melhor distribuir os tablets a alunos ou a professores, e não sabemos se este será o aparelho usado no futuro. De qualquer modo, o investimento é inadiável. Os professores que não levam a sério o uso de tecnologia são omissos em dialogar com o mundo em que as crianças vivem”, afirma Ana Cláudia Figueroa, diretora do Departamento de Logística e Suprimentos da Seduc. Por enquanto, somente a professora de Ciências, Joseane Níquel, que já tinha conhecimento prévio, está fazendo experiências com os alunos. “O atrativo para eles é poder tocar o tablet, então busco sites interativos. Meu aparelho vai rodando pela sala, o que leva tempo, mas compensa. Estamos na era da informática. Por mais pobres que sejam, as crianças têm acesso a um computador ou celular”, conta Joseane.
Algumas escolas particulares também entraram na onda tecnológica. No Rio de Janeiro, a Rede MV1 ofereceu aos alunos do ensino médio a opção de adquirir o material didático em versão para tablet. “O conteúdo sai pelo menos 30% mais barato do que no papel. Em breve, vamos investir também na criação de aplicativos, principalmente visando à preparação para o Enem”, explica Michelle Portugal, diretora de Marketing da rede.
Ainda que a expansão do uso dos tablets seja recente, o investimento em tecnologia não é nenhuma novidade. Pelo menos desde 1997, o MEC instala laboratórios de informática nas escolas públicas por meio do Programa Nacional de Tecnologia Educacional. Essa e outras iniciativas podem ser grandes aliadas no ensino de História. “Há quem diga que cerca de 90% das fontes históricas estarão na Internet daqui a 40 anos”, afirma Beth Holland, consultora daEdTechTeacher, empresa que oferece cursos como o workshop Teaching History with Technology (Ensinando História com Tecnologia) a professores nos Estados Unidos. Para Beth, que fez mestrado em Tecnologia, Inovação e Educação na Universidade de Harvard, o livro digital, ou e-book, terá papel importante nesse processo. “Se o e-book inclui conteúdos fundamentais, várias atividades interativas e permite que alunos e professores se conectem e compartilhem dados, não é possível que ele se torne essencial para o aprendizado em sala? Nós vamos abraçar ou lutar contra esse cenário?”, questiona.
Para quem sabe inglês, já existem muitos aplicativos disponíveis na Internet. E vem mais por aí. A norte-americana Apple anunciou em janeiro que cerca de um milhão e meio de iPads, produzidos desde 2010, estão sendo usados em instituições de ensino pelo mundo. A empresa entrou este ano no mercado de livros didáticos digitais e lançou o aplicativo iBooks, que permite a qualquer um criar livros com galerias de fotos, filmes, objetos em três dimensões e apresentações interativas. Outros aplicativos interessantes têm um calendário com os principais eventos históricos de cada dia e até detalhes da Guerra de Secessão (1861-1865), com mais de 1.000 fotografias, apresentações multimídia, mapas e artigos.
Mesmo com todas essas vantagens, os tablets despertam algumas preocupações. Para Silvana Vargas, chefe do Departamento de História do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, um dos riscos é afastar os professores da elaboração de conteúdos. “Esses aparelhos oferecem possibilidade de trabalho interessante na pesquisa dirigida, em atividades com jogos digitais e com imagens em movimento. Mas, por trazerem materiais prontos, podem dissociar os professores da produção didática. Sugestões e indicações são sempre bem-vindas, mas em um contexto de apropriação coletiva e de transformação”, diz.
No entanto, segundo Cristiane Costa, coordenadora do curso de Jornalismo da UFRJ e criadora do curso Publishing Management na Fundação Getulio Vargas, não é difícil produzir conteúdos, ainda que enriquecidos com mídias. “Teremos cada vez mais possibilidades, como os livros digitais chamados enhanced books. Eles têm links, vídeos interativos, permitem uma experiência completamente diferente e são simples de fazer. Não vai existir conteúdo sem tablets, nem tablets sem conteúdo. Alguém tem que dar o primeiro passo. Começam a surgir iniciativas voltadas para a educação no mercado nacional de e-books e já existem muitos livros em domínio público. Sem contar que a Amazon e a Apple estão se instalando no Brasil, então tudo deve baixar de preço em breve”, defende ela.
A maior inquietação parece ser quanto à metodologia utilizada em aula. Afinal, treinar professores e comprar equipamentos não garante que a tecnologia vá contribuir para a melhoria do ensino. Então, como fazer com que o tablet não seja apenas o quadro-negro do século XXI? “Nas mãos do 'desavisado' professor, o aparelho é apenas um giz diferente. Na verdade, o mais importante não mudou e dificilmente mudará: as metodologias, o ambiente e as formas de ensino. Embora existam autores mais entusiasmados, as tecnologias não têm dado conta de melhorar efetivamente o aprendizado”, diz o pedagogo Lúcio Eduardo Darelli, que desenvolve tese no programa de Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC e é um dos fundadores do primeiro telecentro (uma espécie de laboratório de informática comunitário) da América Latina, em Brusque, Santa Catarina.
O tablet também vai enfrentar resistência daqueles que julgam não ser este o melhor momento para tamanho investimento em tecnologia. Há críticas às atuais condições das escolas e dos professores, que ainda não estariam aptos a lidar com a novidade. “Esses instrumentos são muito bem-vindos, mas os professores não estão preparados. Muitos aqui sequer levam os alunos às salas de informática, porque não sabem mexer nos computadores. A maioria dos professores está sobrecarregada e não tem como se atualizar nas tecnologias. O interesse de muitos não chega nem à biblioteca”, critica Maria de Lourdes Gonçalves, professora de Filosofia em uma escola estadual de São Paulo.
A professora de História Séphora Freitas, da rede estadual de Pernambuco, faz reclamações parecidas. “Temos turmas superlotadas, sem ventilação suficiente, e professores sem formação continuada, que fazem jornadas duplas ou triplas para compensar o salário. Quando tivermos profissionais valorizados e salas confortáveis, o tablet será bem-vindo”, afirma. Séphora denuncia o descaso com aparelhos de televisão, de DVD e com computadores, que estão frequentemente quebrados. Como então será a manutenção dos milhares de tablets? Como controlar o uso dos alunos em sala? Estas são questões que continuam sem resposta.
Em meio a tantas incertezas, a chefe do Departamento de História do Colégio Pedro II acredita que ostablets não podem substituir o livro. “Os tablets podem ser usados como material de trabalho acessório, mas não único, pois existem métodos de motivação em que uma pergunta pode causar mais impacto do que muitos equipamentos”, diz Silvana.
Talvez o investimento somente em tecnologia seja uma ilusão. Ainda no início do século XX, Thomas Edison (1847-1931), inventor da lâmpada elétrica, havia anunciado que os filmes, novidade na época, substituiriam os livros. Um século depois, os tablets aparecem com ares de revolução. Mas o investimento em objetos ainda não pode substituir o que é fundamental na área: pessoas capazes de refletir sobre conteúdos.
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